segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Não me calo, porque te calo.

Quem Planta Cana em Ladeira 16 - (laboratório)

De uma antiga história do tempo da cultura do açucar.
XVI
Lúciamaria não precisava vim aqui. Melhor que nem viesse, Deus me perdoe, é uma filha. Senta na cadeira perto da rede sem usar palavra, até Donana acabar com a pintura de constrangidas vergonhas e puxar para ela a conversa. Eu nada digo, ela está é certa, tem que ficar do lado do marido, pertence aos domínios dele, foi dada como carga para o burro, carga se assenta na cangalha sem reclamar do animal ou dos solavancos da estrada, meu avô dizia para nós meninos indo para a feira, “reclamando do caçuá? Na próxima viagem trago vosmecê dentro da loja da burra”. Soltava uma gargalhada, no ressuspiro completava, “com só a cabecinha de fora”. Notável vô, muito ligeiro nos raciocínios, sempre rindo, soltando graça, perguntado, ninguém se vexava, sabia o jeito dele, não era maldade. Coragem para perguntar ao capataz Jeremias como por que diabos ele, um moço até bem aparentado, casara com uma mulata feia da qualidade de Rita de Bastião, o homem não se fez de rogado, disse que pelo jeitinho dela cuspir de lado, foi a resposta ao Senhor patrão sem afobação ou desrespeito, acho que foi mesmo, foi sincero, vai ver que gostou da cusparada, sabe-se o mundo que tem de todos os gostos e gostos se têm para tudo. Chinela velha encontra pé doente, é gosto. Recebia as pessoas, meu avô, sempre soltando uma loa, mesmo sem conhecer, uns queriam se afobar, mas acabavam entendendo, relevavam, era o jeito dele, não tinha maldade. Perguntou a um mascate qual era graça dele, o homem respondeu Amaro, seu criado. Vô perguntou: “Já viu Amaro prestar? A começar pelo santo, nenhum vale nada.” Falou para brincar, mexendo com o homem. O sujeito não gostou, amarrou a cara, pediu licença, se desculpou dizendo que se ia para não desrespeitar a casa. O velho não se vexou, pensa que falou nada? Deixou o homem ir, minha avó, mandou um moleque atrás, pedir desculpas, chamar para cear na casa grande, o mascate veio ofendido, cabisbaixo, mofino, com o chapéu nas mãos, dobando a ponta da aba, rodando-as nos dedos. No fim da ceia estavam amigos, rindo, virando Vinho do Porto nos digestivos da prosa.