sábado, 13 de fevereiro de 2010

Quem Planta Cana em Ladeira 17 - (laboratório)

De uma velha história da cultura do açucar

XVII
Pelo movimento das negras na cozinha sei que hoje é domingo. Os parentes daquele lá vêm para o almoço. Disse a Sinhá, tranque a porta do salão azul e bote um negro na soleira vigiando para ninguém entrar, não quero ver gente hoje. Da derradeira vez o velho pai dele insistiu e quase entra. Não quero conversa, se é um homem de bem deveria aconselhar o filho, mostrar que na terra dos outros não se bole. Donana diz que o velho é um homem de bem, não se pode culpar pelos desatinos do filho. Ora se não? As uvas dos pais enodoam os dentes dos filhos, se diz de muito, é uma verdade, se filho homem tivesse não tolerava ver tomar o que é dos outros, meu pai nunca permitiu que filho mal procedesse, mesmo depois de criados, morreu aconselhando, mandando, passando sermão quando carecia. Papel de pai, certo, só se acaba na cova. Para mim perdeu-se a safra toda, da sala aos borralhos da senzala, condenei a casa desses daí.
Nisso de condenar puxei a minha avó, mãe de mamãe, a mulher cismava não voltava atrás, mesmo assim faço eu, acabou-se e pronto. Meu avô deu socorro, certa feita, a um tísico, vinha ele só no coche, um nego na condução. Vovô montou na boléia, botou o doente que estava acompanhado da filha, dentro do carro. Levou da beira da estrada real até a Santa Casa, na cidade, pouca coisa, duas léguas. No engenho mandou lavar os acentos bem lavados com Melão-de-são-caetano, perfumar de lavanda, e escondeu o fato de vovó, ela acabou sabendo, o boleeiro escorregou na conversa fiada. Pronto, condenou a caleche, nunca mais entrou, deixou de ir à cidade, até promessa adiou de pagar. Meu avô comprou uma sege nova para a mulher voltar à condução. Se condenava uma aia, podia vender ou doar a outra senhora, não botava mais os olhos nela, virava a cara, até não ver na sua frente. Condenou uma criada porque não arrumou os vestidos dela nos conformes; mandava pendurar no guarda-roupa de fundo virado com fundo, tinha mania, não aturava a parte traseira de um vestido tocando na da frente de outro. Ensinou uma vez, reclamou a segunda, na terceira condenou a negra. O marido mandou a moça para casa de papai, negra boa, calma, não teve jeito, foi condenada, acabou-se.

Oiti-coró - Cidade