Conto
Joaquim Rafael Soares
Entrou no quarto sem quase dar conta do menino debruçado sobre a cama desenhando, afagou-lhe apressadamente os cabelos em desalinho, comentou o desenho, algo sem importância, só por comentar. Sentou-se à penteadeira em um velho pufe, três pernas saídas de uma base circular acolchoada com veludo bege, desgastado nos lados, alguns fios pendentes intercalando o brilho remanescente do nobre tecido com o opaco que o tempo desbota nas coisas. As molas rangeram ao peso do corpo, o menino, girou a cabeça, olhou no som. Na altura da cama, a altura do pufe, o assento comprimiu amoldando-se ao corpo. Usava um short jeans muito curto que cedera à posição fazendo surgir a renda da lingerie rosa, suavizada pela alvura da pele acetinada de sutil penugem clara. A minúscula blusa de malha desfiada, - roupa de ficar em casa -, colada ao corpo, mal cobria os seios soltos, duas elevações refletidas no espelho, morrotes coroados por botões salientes, gêmeos assimétricos, trazendo ao olhar intercalado uma intermitente surpresa, incansável novidade. Da gaveta lateral do móvel tirou uma frasqueira, bolsa quadrada de couro marrom, fecho em latão, muito manuseada, aqui e acolá, manchas de ruge. Dela veio uma infinidade de potinhos, frascos, estojos, pincéis, paletas, estiletes, lápis, pinças, esponjas, chumaços de algodão, batons, blushs e outros pós. Meticulosa, sistemática, espalhou por sobre a mesinha os utensílios aparentando uma ordem previamente estabelecida, estudadas eqüidistâncias, razões e proporções, aos olhos do menino, místicas. Moto-motivo transcendente a pueril compreensão. Ao dispô-los moveu braços com destreza, apareceram carnes alvas, torneadas, por entre curtas magas. O dorso sinuoso vergou ao movimento dos braços, levantou a blusa, repuxou o short, dentremostrou mais a peça rosa rendada, ondulações inebriantes. De um pote surgiu buscado por esponja uma pasta fosca. Espalhou-a, brusca fricção circular: pela testa; nariz; pálpebras; faces; queixo; pescoço; colo; e, entre os seios. Forçou o decote, circundou os suaves contornos com desdém automático. O menino - transido - viu refletida a manobra. Sentiu o tremor de ondas, pedra em lagoa sacudida, doce tremer, viu maciez. Rosto e colo, uniformes em cor, aprontados, depois coloriu, delineou, pincelou, pinçou, azulou e avermelhou. O menino fixou-se na boca carnuda, encarnada, sentiu-se arrepiar, correntes assolavam-lhe o corpo. Soltou os cabelos, sacou da frasqueira um vidrinho de perfume, molhou o indicador, passou-o na nuca, nos braços, no colo, molhou-o mais uma vez, trilhou a senda tortuosa do busto. O menino embriagado com o odor melífluo tentou falar, nada disse... Uma branda tontura, agoniazinha no estomago, calafrios, leve ardência quente, não sabia o que era, parecia uma dor boa, coisa com jeito de brincadeira de bola de gude, bolo quente e balão de São João. Gostou.
Consegui dizer: - Tia não vá!
A moça não escutou a voz falhada do menino, levantou-se, saiu para o quarto de vestir.
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