quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Quem Planta Cana em Ladeira 15 - (laboratório)

De uma antiga história dos tempos da cultura do açúcar
XV
Sinhá disse que o maldito não me roubou nada, que respeitasse eu o pai dos meus netos, a desculpa é que ele toma conta do engenho porque estou velho. Agora, mas justo por ele já ter se metido a mandar em tudo, fiquei assim, os nervos me deixaram inválido. Primeiro a questão da invasão do desvio do riacho, depois a história da derrubada da mata sem necessidade. Matou boi sem consentimento, castigou negro sem precisão, apartou famílias sem carecer. Eu ainda sou o senhor desse engenho, tenho que ser ouvido sobre as minhas posses. Glaudium meum, et corona mea, dizia meu pai nos poucos latins que tinha, falava com razão, se o engenho é meu por direito e justiça, de quem são os mandos e vontades? O engenho ainda é meu. Meus gostos. Só restou a de que aquele não entre aqui no salão azul, essa é a única vontade vigente.
O sogro de Conceição, nos tempos de grandes prosperidades, foi avisado pelo encarregado do transporte do açúcar que as autoridades do Recife não permitiam mais o carro de boi entrar cantando nos limites da cidade. Na moagem, toda semana, o velho mandava mais de dez cargas para o porto. O fiscal dizia que os carros chegavam ainda madrugada escura e principiava incomodando o sono dos pracianos com o rangido das rodas no eixo. Tinha que afrouxar a cunha e olear para os carros entrarem na cidade sem barulho, se não, pagaria uma multa. O Senhor do Roda d’Água cismou, os carros dele cantavam desde o tempo do pai, não iriam parar por ordem de inspetor nenhum, pagava a multa, desapegava da sovinice, mas os carros deles entravam cantando na cidade. Se ria da lei, pilheriava: Aperta a cunha e bota sebo, quem paga a multa é Melazedo.
O senhor do engenho tem que ter as suas manias, seus caprichos, se não for assim, para que serve tanta labuta, tanta contrariedade? Já vi de tudo nessas artes, as terras de um homem é o seu domínio, o reinado que se cumpre a lei do dono. Capitulei, tomaram meu reinado, que desgraça, estou morto me bulindo, tem mais de dois meses que não levanto dessa rede, que saio desse salão. Vou mandar abrir a janela hoje, quero uma fresca da manhã, o agalegado deve ainda estar correndo as terras.

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