sábado, 5 de setembro de 2009

Quem Planta Cana em Ladeira 11 - (laboratório)

Esboço de uma tentativa de romance em capítulos curtos de uma velha história da cultura do açucar


XI
Dizia meu avô que das criações de duas pernas a mais complicada é mulher. Difícil de tanger. Nunca se sabe o que pensa, que caminho vai tomar. Lúciamaria mostrava simpatia com a idéia do convento, mofina, miudinha, pegada com santos e rosários, mas não queria. Queria mesmo era casar. Apareceu esse daí e a coisa mudou da água pro vinho, dos enxovais da clausura aos de cama e mesa num minuto, vai se entender? Minha irmã Anita, moça bonita, olhos claros, viva, prendada, preparada de tudo, dote valioso de terras e benfeitorias, pretendentes vários para meu pai escolher, cismou de ser freira, deu o dote a São José, à paróquia. Socada hoje num convento de Braga, tio Horácio visitou outro dia, foi em junho, não me lembro o ano, encontrou enrolando docinho para a caridade das almas do purgatório. O santo não tem ciência do suor do meu pai naquelas terras, os padres trocam por foro miserável, laudêmio de esmola, muitas vezes nem isso.
Donana ainda não veio hoje, será que veio e estou misturando com ontem? Não tenho muito a dizer, fico com pena da Sinhá, sozinha sem o marido por perto, digo nada, me vexo parado nessa rede, daqui não saio mais. Prometi quando vi aquele lá entrando na minha casa, dizendo que era de melhor conveniência para ele e para os netos, Lúciamaria não deu palavra. Certa deve obediência ao marido depois de saída das ordens do pai, é assim, não censuro, ela não, esse agalegado é o culpado. Dei última ordem de senhor, vou-me sinhá para o salão azul, é o meu lugar agora. Aqui ele não entra.
Desconfiei que o sujeito não fosse boa bisca depois da negociação do dote, isso de pedir mais é normal, há quem regatei por costume, os Melazedos não negociaram? Nada fora dos conformes. O caso é que cedi muito no acerto, velho, sem paciência, a menina derradeira. Pediu mais quarenta reses, não reclamei. Doze escravos, mandei apartar sem embargos. Findou com aquele negócio de pedir as terras da beira de cá do córrego velho, deixei pensando que o homem tinha palavra, menos de um mês do casório mandou a cabroeira desviar o rego contornando a várzea, tomou as melhores terra da baixa. Minha palavra segurei. As terras a direita da regueira eram dele, não esperava que fossem avançar na enxada o limite. Isso é roubo, Sinhá critica quando falo, não tem outra palavra.

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