terça-feira, 15 de setembro de 2009

Quem Planta Cana em Ladeira 12 - (laboratório)

Esboço de uma tentativa de romance em capítulos curtos de uma velha história da cultura do açucar
XII
Hoje Donana mandou Zulmira varrer o salão azul. A poeira subiu. Passou um pano molhado. Tanto faz, sem me mexer, sujo ou limpo aqui não torna o esplendor dos tempos passados. Nas festas do Inverno, vinham os Senhores meus vizinhos. A sesta dos homens, se chovia, era aqui, transferida do alpendre, doze pares de armadores, feliz a camaradagem. Almoço findado, sinhá mandava servir as compotas. Depois armavam as redes lavadas cheirando a lavanda. Um dedo de prosa antes de ferramos no sono. Bons tempos. A desvantagem da sesta no salão azul era Joaquim Xindes, na varanda se perdia no vento, mas aqui dentro no abafado os peidos incomodavam, acostumamos depois. O Coronel estrondava um da rede dele e a risada era geral. Ria também, batia na barriga e pilheriava: “esse foi no capricho”. Boa pessoa o Senhor do Engenho Saltinho, quase dois metros, feito um touro. Comia. Nas festas, antes de sair de casa ordenava: “mulher bota o almoço mais cedo que hoje eu vou almoçar fora”. Tava que não andava de gordo nos últimos tempos, passou-se com uma constipação, Deus o tenha. Falava alto, recitava, cheirava tabaco. Era uma festa. Uma galinha, pelo menos, era dele, mais um quarto de bode, uma terrina de mel. Sinhá reservava, não podia faltar. Mexia com todo mundo, com as negras da conzinha, os moleques de recado, ninguém escapava a uma loa, uma brincadeira. Sinto falta daqueles tempos.
Antônio Guedes; João Coutinho; Júlio Bastos, homens de bem, amigos, servidores, nunca escapou um negro ou uma rés para as terras deles que não trouxessem de volta no outro dia. Uns morreram, Júlio foi-se da região, arruinou. Muito rico no passado, acendeu charuto com nota de cem mil reis, acabava de almoçar puxava a toalha da mesa com toda a porcelana em cima, deixava em cacos a louça inglesa só por desperdício, esbanjou a herança, perdeu engenhos em jogo, nos cabarés. Saiu com uma mão na frente e outra atrás. Desconheço onde findou.
Os amigos vão ficando nos atalhos e veredas, estou velho, temo perguntar a sinhá o paradeiro de algum. Foi-se, penso que vou ouvir, Foi-se que é ferro torto.

Um comentário:

  1. lendo a história parece que eu to ouvindo voce contá-la,sentado na rede,balançando-se lá numa varanda daquelas casas lá da praia.A gente fica esperando a próxima,sempre...abraços.Paulo Gervais.

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