sexta-feira, 23 de julho de 2010

Quem Planta Cana em Ladeira - (19) laboratório.

De uma antiga história da cultura do açúcar
XIX
Trouxeram peixe no almoço, é sexta-feira. Sinhá disse que o inverno se foi há muito. Por que não estou ouvido o engenho moer? Mais uma vez mandei chamar Amaro. Não apareceu. Zefinha deu conta que anda pra cidade, fazendo mandado do galego. Cabra fraco. Ingratidão.
Quando comi o peixe acusei o dia da semana, Sinhá confirmou. “É sexta, mas não é da paixão”. Acho que disse fazendo graça. Nem podia, estou velho, não estou louco, não vi os ramos bentos, as missas da quaresma. Danou-se, só se caduquei de vez. Como podia ser semana santa se todos os dias ouvi passando os negros pro eito? Na semana santa não se trabalha. Sinhá acha que estou de juízo mole? Só pode. A não ser que aquele lá ordene trabalhar na semana sagrada. Não é possível. Além de tudo nova seita? Melhor nem pensar que um pecado desses possa acontecer em minhas terras.
Tio Eustáquio contava de um senhor pecador que obrigou um escravo a trabalhar na sexta-feira santa. Disse que quando o nego botou a canga no boi, o boi falou, “na sexta-feira da paixão Castanho não trabalha!” Imitava meu tio com voz grossa, voz de boi. Os negros do meu pai tinham outras histórias, de um chamado Sebastião que foi caçar no dia santificado, atirou em um macaco. Os outros correram gritando, uma macaca velha falou, “acode Josué que Tião atirou em Malaquias!” Penso que meu Tio não ia mentir, não sei, dizem que tempo existiu em que bicho falou. Já vi tanta coisa na vida. E nas sagradas escrituras? Não tem a passagem da asna de Balaão?
Tem coisa no mundo que não se explica. Meu pai conheceu um homem que dava leite. É verdade, foi lá ver de perto. Desmontou na porta do casebre de taipa, viu o homem em cadeira de balanço, perguntou se era ele o do leite. O gordão nem respondeu, tirou o peito para fora e seringou no terreiro, ainda bateu um pouco no paletó dele. Foi-se rindo, admirado, achando graça.
Sinhá deu conta que domingo vai ter missa no engenho, Deus me perdoe, Ele sabe do meu padecer, daqui não me mexo. Parece que o padre vem batizar o menino de Conceição, vão matar novilha, não quero saber de gente aqui no salão azul, avisei a Sinhá. Se carecer bote negro na porta barrando. Não quero nem ouvir a zoada daquele agalegado usurpador.

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