De uma antiga história da cultura do açúcar
XXI
Hoje é peixe novamente. Sexta-feira? Outra vez? E o batizado do menino? E o barulho do povo...
- Damião, que dia é hoje?
- Sexta-feira, padrinho, o peixe é Carapeba.
Senti o gosto, carne alva, leve, sabor da minha infância. Minha mãe só comia Carapeba, peixe da água baldeada, inverno. Inverno que Sinhá disse que há muito se foi.
- Damião? Que Carapeba é essa no verão?
- Verão alto é difícil, mas no finzinho num já aparece? Donana disse que o senhor ia gostar.
Sinhá ainda se preocupa com os meus gostos. Um traste velho arruinado numa rede. Mulher de fibra Donana, enverga mas não quebra. Onde foi casa é tapera, dizia Tio Oscar, por sinal fica o torrão, mesmo que a chuva desmanche, fica o sinal do fogão. Tio Oscar. Não lembro mais como ele era, perdi as feições.
Os traços da cara.
- Damião, escute, já passou o batizado do menino?
- Vai ser no Domingo, sim Senhor.
- Domingo não já passou?
- Passou não padrinho, hoje ainda é sexta.
Hoje é sexta mais uma vez, não foi na outra que Sinhá disse da missa e do batizado? Não vou teimar com esse moleque besta. Já num pé e noutro para recolher o prato. Não tem presa, peixe carece tempo, há espinhas, sinhá manda catar, uma e outra ainda escapam. Um engasgo com espinha pode matar um cristão, ainda mais um velho. Velho só quer desculpa pra morrer. Tio Vicente do engenho da Baixa Verde quase se passa com uma espinha de Arabaiana. Comeu umas quinze bananas para ver se descia, uma cuia de farinha, nada, tossia que nem cachorro velho. Tiveram que chamar um cirurgião barbeiro, o homem extraiu com uma pinça comprida, até febre deu no meu tio, depois. Parou de comer peixe, foi ruim, dizem que o papo dele cresceu por isso. Vai se saber?
Mas pode ser que Sinhá tenha dito do batizado na semana passada, e onde se escondeu uma semana inteira? Será que Deus tirou sete dias da minha vida sem eu sentir? Vou perguntar a Sinhá. Lembrei de uma sexta, sábado, estava esperando o domingo e já vem outra sexta? Donana tem que me dá ciência dessa semana que não vi passar. Que coisa sem jeito. Conto os dias, mas certeza mesmo só tenho das sextas, no prato do peixe.
Deu-me agora uma tontura, melhor não puxar muito pelo juízo, uma madorninha depois do almoço, isso, ajuda melhorar.
- Leva Damião, afaste de mim esse prato!
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