sábado, 28 de agosto de 2010

Quem Planta Cana em Ladeira - (24) laboratório.

De uma antiga história da Cultura do Açúcar.

XXIV
(Penúltimo Capítulo)

Padre Alberto saiu. Penso que cochilou na cadeira ouvindo os meus pecados. Falei para Deus. O padre só ajuda a levar o recado, quando ajuda. A casa ta um reboliço só. Ouço passos de menino, de velhos e de moços. Pelo bater das esporas veio gente de longe. O batizado do meu neto é amanhã. Ouvi o vozeirão do Wanderley, usurpador do meu reino, genro celerado. Ele que não pense em pender para o salão Azul, aqui ninguém entra. Padre Alberto deixei, pelos gostos de Sinhá, não ia desagradar essa santa. Não foi tão ruim. O padre é bonachão. Achei-o muito envelhecido, não o via há muitos anos. Todo mundo envelhece. Não quero espelho, por isso não deixo raspar-me a barba. O vigário benzeu-me com todos os óleos e águas que trouxe, é bom, mal não faz. Agradei também a minha mãe. Estou mais leve dos pecados. Não contei que tenho pensamentos em matar o agalegado. Sonho sempre.
Não quero alimentar essa fogueira, desde o começo, a pessoa quando faz muita questão de linhagem, do nome, vá atrás. O Agalegado falava em estirpe, clã, acertou com Lúciamaria que os meninos de olhos azuis levariam o Van sei lá o quê do nome deles, e os de olhos castanhos, ficariam com o Cavalcanti. Estirpe, não tem Van sem olhos claros. Pois sim, antes um Melazedo, um Souza Leão de olho da cor de carvão do que um safado, usurpador...Deus me perdoe pai dos meus netos. Meus netos são.
O batido das panelas não para na conzinha, toda hora deitam bolo quente à mesa, sinto o cheiro do pão-de-ló, da calda de ameixa, das terrinas de mel. O baque seco das de farinha. Mel em casa, dizia meu pai, é gasto de farinha. Aquele lá deve ter aberto o bornal nessa festa. Deve ter sobrando. Quem não pode com o pote não pega na rodilha.
Ouvi a voz de taboca rachada de João Budião. Mas, morreu. Era capataz do meu pai, herdado de vô, conheci já velho, beiçudo, quase cego, aposentado, contando histórias de Galafoice no alpendre da Casa Grande. Da mesma idade de vovô, mais velho, quem sabe. Foi visitá-lo nas agonias, “Budião, veio olhar eu fazer careta pra morrer?” perguntou vô entre estertores. Morreu muito depois, faz tempo, não é a voz dele não. Parecia, parecia muito. Não esqueço uma voz, passei muito escutando a prosa de Budião.
Uma noite dessas sonhei com o mulato prosador. Queria me levar, falou, “Vamos em boa hora senhorzinho, pron’tá seu avô, eu ajudo nos caminhos”. Deus me livre quero ir agora não. Estou fazendo nada, não tem mais impedimentos de deixar esse mundo. Tenho medo. Por que Deus não me deu a demência de minha mãe na hora da morte? Piedade. Misericórdia!

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