sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Quem Planta Cana em Ladeira - (22) laboratório.

De uma antiga história da cultura do açúcar.

XXII

Ora, moenda a vapor! Veja se faltam inventar mais nada. Para mim o homem tinha que parar de mexer nas coisas que Deus fez. Já inventou o trem, corre mais que os pés dados pelo Senhor, não precisa de animal de tração. Depois a máquina de costura, uma invenção que Deus duvidou que se inventasse. Cheia de artifícios, agulha furada, coisa de se admirar. A novidade da moenda a vapor não me entra. Qual a serventia? Que necessidade, tanto negro vadiando, reproduzindo feito preá, não vejo carência para trazer do estrangeiro tanta peça fundida, mesmo, acho, que esse vapor todo, a quentura, faz mal. Só pode ofender. O trabalhador, o povo que passa por perto. Só pode trazer é doença.
Sinhá veio rezar o terço, me esqueci de perguntar. Perguntar alguma coisa que desde ontem estava pensando. O que será que danado foi? Sei mais não.
O moleque Damião conversou um pouquinho hoje. Muito alegre com os trastes que viu chegar da caldeira. Amaro trouxe no carroção. Deixei-o falar, falou muito, chega enjoei com a cantiga das palavras. Pior, os meus netos estão pegando esse jeito cantado da senzala. Escuto daqui. É uma moleza nas vogais, um embolado no fim das frases, umas respostas perguntadas. E a mania de diminuir os tratamentos, um dengo de paizinho, sinhozinho, sinhazinha, ave Maria! Parece mais dança do que fala.
Passei o dia esperando sinhá para ela me dá conta de alguma dúvida que tinha, mas esqueci, tirei uma madorna e esqueci-me de perguntar. O que queria saber mesmo?
Pedi a Damião que desse um recado ao negro Amaro. Sei que o moleque me respeita. Amaro bandeou-se para o genro maldito. Algum benefício há de conseguir em troca. Aquele não dá ponto sem nó. Pai dos meus netos, Deus me perdoe. Que se ele ainda tem alguma gratidão naquele coração preto que venha me visitar. Meus netos são. Quero saber do engenho. Soube por Damião que o Wanderley comprou o São Roque e o Santa Emília. Como? Com que dinheiro? Não posso me fiar só nas palavras desse menino. Vai que conta aumentado. A moagem desse ano deu para tanto? Quantas sacas? Quantos pães? As terras são minhas, não quero o dinheiro, quero a satisfação, prestação de contas ao senhor do engenho. Ainda não morri. Tomam-me como inválido. Não levanto dessa rede, pensamento muito atrapalha, sinto, muitas vezes. Inválido. Mesmo, daqui não saio, mas a cabeça trabalha.
Santo Deus, o que eu ia perguntar a Sinhá?

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