quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Quem Planta Cana em Ladeira 1 e 2 - (laboratório)

Esboço de uma tentativa de romance em capítulos curtos de uma velha história da cultura do açucar

I

Quem planta cana em ladeira e cria filha fêmea está vendo a desgraça na frente a qualquer hora. Foi assim aqui. Cinco filhas, mulheres todas. Deus não me deu a graça de ter um varão para ajudar na lida, para tocar o engenho. Perto de ir-me. Sem ter quem fique no comando. O agalegado aí? Deus que fardo! Vai mandar.
Já manda.
Desde ontem que não ouço o barulho da prensa, mandei chamar Amaro, o negro não apareceu.
- Sinhá, quede Amaro? Num já chamei? O que aconteceu com aquele que não me vem acudir? Quero saber da casa de purgar! E por que a moenda parou?
Tem piorado, não estão mais nem ligando, até a menina do urinol demora na troca. Outro dia o almoço atrasou mais de um quarto. O carrilhão bateu e a comida não chegou. Sinhá veio ontem na hora do terço, só, não veio mais. Ocupada com os bordados do neto que vem, disse ela, filho de Conceição, acho, Socorrinho também está prenha, mas ainda não é para agora. Penso que é de Conceição. Foi a única que tentou me tirar da rede. Fala explicado... ”Vamos senhor meu pai, levante-se daí, vamos comigo”. Mãozinha macia, alisou meus cabelos. Pensei até em ir, ouvi a zoada desse lá, Deus me livre topar, morro ou mato, uma desgraça sobre a nossa família, não quero isso, prefiro largar a vida, sinto que não vou muito longe. É melhor assim, Lúciamaria precisa criar os filhos, filho com pai, mesmo sendo esse daí. Achei que fazia um bom negócio, acordo de cavalheiro, me enganei, o homem é muito ambicioso, fala alto, é chegado a uma arenga. Deus me livre.
As terras que foram do meu pai na mão dele? Que sina. Tanto trabalho para esse daí usurpar, isso mesmo, fui roubado. Sinhá disse que a palavra é muito forte, mas tem outra? Fui roubado no negócio, o trato foi feito para o dote, antes do casamento, se apoderou depois. Foi tomando tudo, não peitei quando devia, agora é tarde.

II

Maria de Jesus casei logo. No Cais da Alfândega conheci o velho Rego Barros, na negociação do açúcar. As sacas do demerara dele descendo da barcaça. Trocamos um dedo de prosa, homem de bem, boa procedência. Como se fosse hoje. Encontramo-nos mais tarde na confeitaria, boa palestra:
- Tenho um filho bom para casar – disse o velho alisando o cavanhaque – suas filhas? Tem alguma moça?
- Tem Jesus, passou dos doze, é moça feita.
Acertamos tudo lá. Marquei a visita, fui buscar o rapaz na estação. Chuva que Deus mandou! Muita chuva. Fomos, Amaro arreou a montaria – novo o negro era disposto -, de confiança. O moço chegou acompanhado de um primo, também da Mata Norte, combinamos o casório. Foi-se Maria de Jesus, até hoje. Sete filhos, vive lá, não me deu trabalho. Quase não teve dote, o velho era contra o costume:
- Tenho terra demais, o menino vai ficar com quase tudo, guarde para as outras.
Guardei mesmo. Deus só me deu filha. Ficando mais velha, mais difícil fica. Trabalhei minha vida toda para juntar. O meu e o dos genros. Não tive sorte, ninguém para me ajudar na labuta. Vivi só toda vida.
Escolhi o salão azul por causa dessa janela. Agora já não estou nem com coragem de mandar abrir. Medo de olhar. Por que será que não ouço o engenho moendo?
Fico nervoso. Os nervos estão acabados. Basta pensar naquele homem fico tremendo por dentro. O coração dá um baque. Coisa ruim. Puxei ao lado da minha mãe. Nunca pensei, mas puxei. Depois de velho começou o atrapalho todo. Nervoso. Os nervos acabados.

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