quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Quem Planta Cana em Ladeira 7 e 8 - (laboratório)

Esboço de uma tentativa de romance em capítulos curtos de uma velha história da cultura do açucar

VII

Casei as quatro, Lúciamaria parecia que ia ficar para tia. Pensei em mandar para o convento, antes tivesse mandado, melhor seria. A menina era muito prendada, cuide dela como das outras a mesma educação, essa, não estava com muita sorte em arranjar marido. Todas tiveram professor de francês e de piano. Liam, bordavam, cozinhavam, mesmo que nunca precisassem entrar numa cozinha sabiam mandar, fiscalizar os serviçais. Conheciam a história dos santos e os mandamentos da igreja, muito prendadas. Em matéria de costura desconheço na região moças assim. Jamais fiz questão em comprar os tecidos e aviamentos, recebia com todo o gosto os mascates franceses no engenho. Tinha os meus cuidados. Nunca tive tempo de aprender esses refinamentos de língua estrangeira, temia que os vendedores pudessem soltar alguma graça para as moças, costume desse povo muito moderno de pouca vergonha, e eu nunca iria ficar sabendo. O cuidado que tinha era de botar assistindo a palestra um negro de minha confiança, a ordem era ficar atento as feições das meninas, se alguma delas corasse ao ouvir do francês alguma coisa, podia quebrar o assanhado de cacete. Nunca ocorreu, ainda bem, mas desconfio que o mascate fosse alertado por elas da serventia daquele escravo armado de cacete ali na sala, antes de qualquer assunto.
Já estava conformado com a menina freira. Apareceu esse Wanderley, aquele acolá que acabou por me levar tudo. O engenho, a casa, a minha vontade de viver.
Meu pai me deu essas terras eu mal tinha botado barba, derrubei mais os negros todas as árvores da colina, rabisquei no barro as fundações dessa casa. Fiz, fui valente, trabalhei feito um condenado. Nunca tive medo de homem de bicho nem de assombração, estou velho, doente, não tenho mais forças. Deus me livre esbarrar com esse daí. No salão azul ele não entra. Pode ficar com o resto da casa. Saio não, da minha rede não desço.
Amanhã vou mandar chamar Amaro aqui ele vai me dá conta dos pães de açúcar que foram vendidos esse mês, afinal ainda sou o Senhor destas terras, tenho que ter ciência.

VIII

Cortei o morro no cocuruto, bem no cume, a casa grande tinha que ficar no mais alto do engenho, uma capelinha consagrada a Santo Antônio, homenagem aos meus pais devotos. Mandei trazer os ossos para cá, contra a vontade dos meus irmãos. Aparentado dos meus avôs portugueses, sim, minha avó chegava a ter parentesco com o santo. Orientei - como me ensinou pai -, a casa na conveniência dos ventos. Cerquei-a de terraços, fiz uma base boa, o socavão elevou, deu imponência, sete degraus para chegar ao assoalho. O portal principal para o Nordeste, os fundos para o sul, a casa ficou fresca no verão e abrigada no inverno. Fiz questão dos três salões, uma casa que se recebe tem que ter lugar para palestras e divertimentos. O salão principal, das refeições, mandei pintar de branco, meu pai deu-me a mesa de mogno com os pés trabalhados, doze lugares, cadeiras austríacas, torneadas. Mandei buscar o lustre de cristal na Europa, uma obra de arte lapidada em Veneza, do porto para o engenho levou mais de quinze dias em um carro de boi, engradado, forrado com palha. O salão a oeste pintei de verde, esse daqui do leste de azul. O verde era de música, comprei um piano alemão, sonoro, todo ano vinha um afinador da capital especialmente contratado. Tinha canapés e cadeiras, chapeleiros e cristaleiras, era uma sala agradável, indicada para a noite, estar das visitas, reuniões com os parentes e vizinhos, senhores de outras terras. Esse azul ao leste, abrigado do sol da tarde, era o salão das sestas, com os armadores de rede e uma pequena mesa, as meninas usavam-no eventualmente, quando sem visitas, para estudos, tinha alguns cabides e armários. Para trás da casa os quartos e a conzinha, no quintal os banheiros. Fiz com muito esmero tudo isso. Ocupo só o salão azul, que não tem mais a beleza daquele tempo, as paredes precisam de cal, o cupim ta mordendo ali na soleira, mas ainda é pouco a feiúra do salão, maior é a minha, e a que sinto por dentro.

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